Traça de biblioteca

Carrego com imenso carinho dentro de mim lembranças de diferentes bibliotecas que fizeram parte de minha vida. A história das bibliotecas, pra mim, começa na escola, onde professoras de português já me incentivavam em tenra idade. Tive o privilégio de estudar em escolas com ótimas bibliotecas e receber este estimulo já nos bancos escolares.

Mas tenho em meu irmão um dos meus maiores incentivadores. Sendo eu a “raspa do tacho”, meu irmão exercia sobre mim um papel de irmão/pai/amigo. Ainda que eu não tivesse a completa noção de como isto era importante na época. E foi através do incentivo do meu irmão que fiz minha inscrição na Biblioteca Pública de meu município.

Ainda lembro do número da minha ficha na biblioteca: 3.376. Não tente entender a cabeça de uma pessoa das exatas, que lembra de números aleatórios e esquece datas das mais diversas!

Lembro ainda que gerei uma resistência em fazer meu cadastro, típico do pré-adolescente, misturado com a timidez da infância. Mas meu irmão foi insistente e demonstrou apoio, fazendo (ou querendo fazer, não lembro bem) seu próprio cadastro.

Então agora eu era um associado da Biblioteca Pública e usufrui do benefício por muitos anos, retirando livros, fazendo pesquisas em seu acervo (sim, sou da época que se pesquisava fisicamente e não apenas em formato digital!). Aproveitava destes momentos, também, para curtir o local. Nossa biblioteca fica em um prédio histórico da cidade, com jardins internos e de uma beleza própria (recomendo a visita, para quem ainda não conhece!).

Depois disso, usufruí de outras bibliotecas durante toda minha carreira acadêmica e docente, deixando a Biblioteca Pública como uma lembrança, viva, da minha adolescência.

Lembro que durante minha formação de graduação, na universidade em que eu estudava (Unisinos), passei por diferentes fases da biblioteca local. A pesquisa era em cartões de papel e um atendente buscava os livros em um biblioteca inacessível. Depois colocaram os primeiros terminais de consulta (computadores antigos para a época), mas que deram imensa velocidade e possibilidade para a pesquisa do acervo! Inovaram com uma devolução “automática”, que eu carinhosamente chamava de “escorregador” (se colocava os livros – sem atraso – em um “rampa” e estes caiam em um local fechado que um atendente recolhia e dava baixa no sistema). Por fim, decidiram pela construção de uma nova biblioteca, imensa e com um arquitetura fantástica, onde era permitido aos estudantes andarem pelos livros e escolher livremente, sem critérios o livro de sua leitura.

Dentre os projetos de futuro da universidade, chegou-se a cogitar a possibilidade de abertura da biblioteca todos os dias da semana sem interrupções e aberta para toda a comunidade (até então, somente alunos desfrutam do imenso acervo). Uma biblioteca 24 horas? Um sonho para qualquer leitor como eu. Vibrei enormemente com a ideia que, para minha tristeza, não se concretizou.

Mais tarde, como professor, usufrui das bibliotecas das instituições que lecionei. Não só levando os alunos e tentando passar um pouco do meu encanto pelo ambiente (que aprendi com o incentivo de meu irmão!), bem como material para apoio de aula, mas, ainda, como leitor. Diversos livros retirados para matar minha sede de leitura!

Agora que estou afastado da academia, resolvi retomar minhas visitas à Biblioteca Pública. Aproveitei um intervalo e fui até lá ver o horário de visitação.

Decepcione-me como trabalhador, já que o único intervalo que eu teria para visitar a biblioteca seria ao meio dia. Final de tarde, para a maioria, inviável. E os sábados pela manhã? Como visitar? Usei muitos sábados para retirar/devolver meus livros!

Acho que hoje vivemos uma época muito diferente do que vivi como leitor incipiente. Livros estão mais acessíveis, temos mais leitores, uma explosão de livrarias. Vejo tudo com bons olhos. Mas sendo eu uma “traça de biblioteca”, é com tristeza que vejo um quadro de horários tão limitados em nossa cidade.

Sempre acreditei em educação. Acho que educação muda pessoas, que mudam cidades, que mudam estados, que mudam países. É através dela que crescemos. O acervo existe, por que não deixá-lo acessível?

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